sexta-feira, 23 de março de 2012

Arquivo: Cardeal Leme, a 1ª escola pública


Primeiro prédio da escola Cardeal Leme
Início do século 19, sem os modernos meios de transporte, professores tinham de cortar léguas em lombos de animais para chegar até as escolas. Mas os obstáculos, para estes destemidos profissionais a serviço do saber, tinham de ficar em segundo plano. Afinal, um censo de 1920 revelara que no entorno de Rio Preto existiam 15,5 mil crianças em idade escolar, sendo que apenas 1.725 encontravam-se alfabetizadas. Sem tempo para esperar por resoluções do governo, ou da União, como explica o professor Gentil de Faria, Rio Preto arregaçou as mangas e tomou para si a responsabilidade de buscar soluções. Primeiro, as escolas ambulantes, criadas pela lei promulgada no dia 2 de fevereiro de 1905. A primeira delas surgiu no bairro de Ribeirão Claro, naquele tempo chamado de córrego José das Neves. Seu professor recebia 75 mil réis. Já em 1909, Rio Preto começou a subvencionar escolas particulares, desde que tivessem um mínimo de 25 alunos e ministrassem ensino em língua nacional. Nem mesmo a educação dos presidiários fora esquecida. Em 1912, os presos da Cadeia Pública passaram a ter aulas de alfabetização.


Essa grande cruzada em prol da educação dos pequenos rio-pretenses foi o que proporcionou o surgimento da primeira instituição de ensino público de Rio Preto. O 1º Grupo Escolar - que mais tarde passaria a se chamar Cardeal Leme - surgiu em 1919 como resultado do encampamento de 10 classes, originárias de quatro unidades particulares denominadas Escolas Reunidas. O Grupo Escolar, sob a direção do professor Alberto Soares, funcionou inicialmente em um imóvel da rua Voluntários de São Paulo, para logo depois ocupar o antigo palacete da praça Rio Branco. Erguido sobre a área do primeiro cemitério municipal, foi demolido em 1963 para dar lugar ao atual prédio do Fórum. Mas o imponente prédio de dois pisos, no coração de Rio Preto, permaneceu na memória de muitos rio-pretenses educados em suas salas. A escritora e historiadora Dinorath do Valle (10/7/1926 - 1/5/2004) retratou, em um de seus artigos, o clima da época: “O primeiro Grupo era a maior delícia, com seus altíssimos corredores de mosaico xadrez, suas filas de dois, sua diretoria com cortina de feltro verde. Era proibido entrar e sair sem o badalo da sineta”, conta.

A denominação de grupo escolar mudou em 15 de novembro de 1942, quando, por decreto do interventor federal Fernando Costa, adquiriu o nome atual. Foi uma homenagem a Sebastião Leme da Silveira Cintra, o segundo cardeal do Brasil. Cardeal Leme criou os Congressos Eucarísticos Nacionais, um deles realizado em Rio Preto, na década de 40. Nasceu em 20 de janeiro de 1882, em Espírito Santo do Pinhal (SP), e estudou no Ginásio Diocesano de São Paulo e no Colégio Pio Latino-americano, em Roma. Enquanto o imóvel atual - situado no quadrilátero formado pelas ruas Independência, Voluntários de São Paulo, Mirassol e Bernardino de Campos - era concluído, a escola teve as classes provisoriamente transferidas para o Colégio Dom Pedro 2º e para o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Instalado definitivamente em 1964, conservou o tradicionalismo da época de sua criação. “Por aqui passaram muitos alunos que hoje se destacam nos mais diferentes segmentos profissionais”, diz a vice-diretora, Nabia Domingues Galetti. A designação de escola estadual de 1º e 2º graus veio em 1976, quando a unidade incorporou as salas de aula da Escola Lydia Sanfelice.

Ladrilhos
Um lugar repleto de histórias revela surpresas até hoje. Em fevereiro de 2004, durante obras de pintura, ocorreu uma descoberta que leva aos primórdios do Cardeal Leme. Ressurgiram, escondidas sob cinco camadas de tinta, as paredes originais do prédio, feitas em ladrilhos hidráulicos - blocos à base de cimento e argamassa de concreto. Para os funcionários mais antigos, o reencontro com o passado, fruto do acaso, teve um significado ainda mais especial. É que a recuperação de mais de 200 metros quadrados das paredes originais trouxe de volta o símbolo do Cardeal, exatamente a réplica do prédio, impressa nos ladrilhos.

Os ladrilhos hidráulicos são um clássico da arquitetura de interiores. Derivação dos mosaicos bizantinos, foram trazidos para São Paulo por imigrantes italianos. Na época, o material aqui fabricado, pouco decorativo, era destinado às casas mais populares. “Já as peças vindas de Portugal, da França e da Bélgica, belas e sofisticadas, enfeitavam os pisos das casas de fazendeiros, de museus ou de prédios chiques”, explica a arquiteta Albertina Macedo.

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