sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A nossa História: Escola acha 'tesouro' escondido em pintura antiga

O ladrilho tem o desenho de casas, símbolos da escola Cardeal Leme



O acaso trouxe à tona mais de 40 anos de história. Obras de pintura na escola estadual Cardeal Leme, primeira instituição de ensino pública de Rio Preto, acabam de revelar as paredes originais do prédio, feitas em ladrilhos hidráulicos - blocos à base de cimento e argamassa de concreto -, escondidas sob cinco camadas de tinta. A descoberta remete ao início da construção destinada a abrigar em definitivo a escola, cuja primeira sede foi demolida em 1º de fevereiro de 1963, para dar lugar ao Fórum atual. O Cardeal Leme foi criado em 1º de setembro de 1919 e funcionou inicialmente em um imóvel da rua Voluntários de São Paulo, para logo depois ocupar o prédio de dois pisos na praça Rio Branco, onde permaneceria até sua demolição. Transferido para o endereço atual há 41 anos, só agora descobriu-se o tesouro histórico que as muitas reformas encobriram.
Foto no tempo do prédio original

A vice-diretora da escola, Nabia Domingues Galetti, diz que no final de janeiro inspecionava as paredes que receberiam nova camada de tinta, quando deparou com os ladrilhos hidráulicos. “Comecei a raspar a parede cuidadosamente com uma faca e percebi que havia algo mais por trás das pinturas”, diz Nabia, há 17 anos funcionária da escola. Para a funcionária mais antiga da Cardeal Leme, Darci Turquetto, 63 anos, o achado teve um significado ainda mais especial. “Voltaram as casinhas”, diz, ao se referir ao desenho impresso nos ladrilhos e que representam o símbolo da escola. O aparecimento dos ladrilhos modificou o andamento das obras. A escola foi uma das contempladas com verba de R$ 6 mil do governo estadual para refazer a pintura das salas de aula antes do início do ano letivo de 2004. Os trabalhos nas classes estão concluídos, mas foram interrompidos nos corredores das salas, justamente onde os ladrilhos foram identificados. As paredes agora recebem um produto químico, elaborado especialmente para remover as camadas de tinta sem danificar o material original.

Os cálculos feitos pela equipe que executa o serviço são de que existam cerca de 200 metros quadrados de paredes a ser restauradas. Já foram solicitados R$ 6 mil ao Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural e Turístico (Comdephact), subordinado à Secretaria Municipal de Cultura, para que a recuperação dos ladrilhos seja concluída. A presidente do Comdephact, Maria Augusta da Rocha Silva, diz que o ofício foi repassado à secretaria. “Mas independentemente deste auxílio financeiro, já me coloquei à disposição para tentarmos promover um grande mutirão em prol da restauração”, afirma Maria Augusta. A idéia é realizar uma exposição com fotos e documentos históricos da Cardeal Leme, com os ladrilhos já restaurados. A data seria o aniversário da cidade, no dia 19 de março. Já a vice-diretora espera incluir a descoberta na lista das obras que estão em processo de tombamento, para fins de preservação histórica.

Cardeal é a 1ª escola pública da cidade
A escola Cardeal Leme, criada em 1919, é a primeira instituição de ensino pública de Rio Preto. Foi o resultado do encampamento de 10 classes, originárias de quatro unidades particulares denominadas Escolas Reunidas. A partir de então, as classes foram transformadas no 1º Grupo Escolar. O diretor era o professor Alberto Soares. Por 40 anos, seu endereço foi um antigo palacete da praça Rio Branco, demolido em 1963 para dar lugar ao atual prédio do Fórum. A escritora e historiadora Dinorath do Valle retrata, em um de seus artigos, o clima da época: “O primeiro Grupo era a maior delícia, com seus altíssimos corredores de mosaico xadrez, suas filas de dois, sua diretoria com cortina de feltro verde. Era proibido entrar e sair sem o badalo da sineta”.

A denominação de grupo escolar mudou em 15 de novembro de 1942, quando, por decreto do interventor federal Fernando Costa, adquiriu o nome atual. Foi uma homenagem a Sebastião Leme da Silveira Cintra, o segundo cardeal do Brasil. Cardeal Leme criou os Congressos Eucarísticos Nacionais, um deles instalado em Rio Preto. Nasceu em 20 de janeiro de 1882, em Espírito Santo do Pinhal (SP), e estudou no Ginásio Diocesano de São Paulo e no Colégio Pio Latino-americano, em Roma. Enquanto o imóvel atual - situado no quadrilátero formado pelas ruas Independência, Voluntários de São Paulo, Mirassol e Bernardino de Campos - era concluído, a escola teve as classes provisoriamente transferidas para o Colégio Dom Pedro 2º e para o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Uma vez instalado em definitivo, em 1964, conservou o tradicionalismo da época de sua criação. “Por aqui passaram muitos alunos que hoje se destacam nos mais diferentes segmentos”, diz a vice-diretora, Nabia Domingues Galetti. A designação de escola estadual de 1º e 2º graus veio em 1976, quando a unidade incorporou as salas de aula do colégio Lydia Sanfelice.

Ladrilhos são herança européia
Ladrilhos hidráulicos são um clássico da arquitetura de interiores. Segundo a designer de interiores Albertina Macedo, chegaram ao País no início do século passado, vindos da Europa. “Essas peças, que encantaram nossos avós e ainda hoje emocionam arquitetos e apaixonados por decoração, são aqueles quadrados coloridos que lembram azulejos portugueses e compõem desenhos em pisos, paredes e tampos de móveis”, afirma. Derivação dos mosaicos bizantinos, os ladrilhos hidráulicos foram trazidos para São Paulo por imigrantes italianos. Na época, o material aqui fabricado, pouco decorativo, era destinado às casas mais populares.

Já as peças vindas de Portugal, da França e da Bélgica, belas e sofisticadas, enfeitavam os pisos das casas de fazendeiros, de museus ou de prédios chiques. Com o surgimento da cerâmica industrializada, na década de 60, o ladrilho foi deixado de lado. Como no passado, hoje tudo é feito artesanalmente. O trabalho se inicia com a escolha de um molde de ferro, no qual serão depositadas manualmente as porções de tinta, uma camada de cimento seco e outra de argamassa de concreto. Em seguida, é preciso desenformar, deixar repousar, imergir em água (daí o hidráulico) e dispor em um armário para curtir. São necessários 20 dias para que as peças estejam prontas para a venda

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